O documento produzido na década de 60 no Concílio Vaticano II intitulado Gaudium et Spes, que tratava da constituição pastoral e enfatizava o papel social dos cristãos, ensejou a formação da Teologia da Libertação e das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), movimento progressista ainda ativo na Igreja Católica no final do século XX, e que durante a década de 70 e 80 exerceram uma grande atuação no campo sócio-político, acabando por se destacar como movimento importante no processo de libertação dos povos latino-americanos.
As Comunidades Eclesiais de Base tiveram grande importância como uma das mais ricas experiências realizadas na Igreja da América Latina nas últimas décadas, lançando profundas raízes de renovação em toda vida eclesial, transformando radicalmente o papel da igreja em vários países da região. As CEBs, em sua maioria impregnadas de Teologia da Libertação, contam com uma força da massas em vários países latino-americanos: Brasil, El Salvador, Peru e, em menor escala, Nicarágua, Colômbia, Chile e México.
Tendo como referência a mensagem libertadora do evangelho e o resgate de verdadeiros ícones da luta popular, como Ernesto Guevara, Frei Titto, dentre outros, a juventude constituiu o principal sujeito na construção, mobilização e organização dessas comunidades. Estas são formadas por pequenos grupos religiosos e locais, normalmente criados por representantes pastorais – bispos, sacerdotes, freiras e leigos formados e comissionados pela igreja, onde praticam a oração e a leitura da Bíblia, exercendo ainda um papel de organização e mobilização popular, motivando o debate e a reflexão sobre a realidade e a luta pela construção de uma sociedade justa e fraterna.
No meio urbano, é o bairro a unidade básica dessas comunidades; no campo, a própria região ou um sitio qualquer. Dentre os motivos que levaram ao seu surgimento e a sua proliferação, um de caráter prático era a escassez de sacerdotes que a Igreja sofria na América Latina. Mas resultaram também de processos mais profundos na sociedade e na Igreja latino-americana. Sem dúvida, significava uma resposta ao Concilio Vaticano II (1962-65) e ao CELAM (Conferencia do Episcopado Latino-Americano) realizado em Medellim, na Colômbia, em 1968. A Igreja Latino-Americana começava a romper com a tradicional distância que a separava dos pobres, e abandonar a postura secular de defesa do Status quo enquanto aparelho ideológico do Estado e das classes dominantes.
Foi exatamente a “opção preferencial pelos pobres” e o compromisso social da Igreja que estimularam a criação das CEBs e deram à luz a chamada “Teologia da Libertação”. Segundo Galilea, podemos distinguir três tendências na Teologia da Libertação. Estas tendências não são sempre excludentes, já que tem complementaridade e convergem na temática teológica.
Uma primeira tendência parece insistir menos que as demais no método de seu discurso teológico, na práxis libertadora dos cristãos e da Igreja. Sem negar que isto seja um lugar teológico, parte, em seu método, da noção bíblica de libertação, com rico conteúdo histórico, sociológico e “profético”, para ligar-se, a partir daí, com a realidade latino-americana e chegar-se a uma práxis.
As outras duas tendências têm um método mais interdisciplinar. A segunda dá mais importância à alma cultural do povo latino-americano, ao seu processo histórico (desde a conquista) de opressão-libertação, à religiosidade popular como fator importante de libertação. Trabalha sobre a interpretação da idéia de “povo”, aqui no sentido de classe oprimida. Possui uma grande preocupação com as virtualidades libertadoras do povo oprimido.
A terceira tendência, por sua vez, insiste mais no fator econômico, nas lutas de classes, nas ideologias, confrontadas criticamente com a fé. Ocorrem nesta tendência coincidências com alguns elementos da analise marxista, já aceitos pela sociologia e pela economia contemporâneas como contribuições válidas (elementos de crítica ao capitalismo dependente, as tenções de classes como inerente a este sistema, e forte influencia dos fatores econômicos nas demais estruturas da sociedade...).
A presença da juventude nas CEBs, sem dúvida, conferem uma dinamicidade importante em todos os campos. A juventude está presente nos grupos de capoeira, Hip-Hop, teatro, dança, música, nos cursos de formação política, alfabetização de adultos, crisma e catequese. A rebeldia, essa capacidade inerente no ser humano de ver o real transfigurado, de projetar, criar alternativas, não se sujeitar diante do ideário adestrador propagado pelos sepultadores de sonhos de que fora do “mercado” não há salvação, esta capacidade de transcender leva a juventude a ocupar terras, praças, avenidas, dando sentido e vida ao que canta o hino “Verás que um filho teu não foge à luta”.
Neste sentido, as CEBs se configuram como instrumento de luta do povo por sua libertação. Estas, em que pese a ofensiva conservadora do Vaticano e toda crise que afetou o campo progressista na década de 90, continuam vivas e atuantes na luta pela efetivação dos direitos humanos, no combate a pobreza que assola a maioria dos brasileiros, sem perder de vista a perspectiva do sonho socialista por uma terra sem amos, por uma Igreja menos hierárquica, por uma Igreja dos pobres!
Michel Sodré
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