Juventude negra nas comunidades remanescente de quilombo: identidade e resgate de sua cultura
Maílson Lima
O Brasil foi o último país a abolir a escravidão em maio de 2008 completam-se 120 da abolição, há o que comemorar? Não, pelo fato é que nós negros continuamos a margem da sociedade sofrendo racismo e discriminação. Devemos fazer uma reflexão sobre estes fatos que ocorreram e ocorrem no Brasil, um dos pontos de partida é conhecermos a história de nossos ancestrais, é conhecer a história da África, a cultura afro-brasileira para que nossa juventude tenha seus valores e direitos garantidos, sobretudo respeitados.
A África é um continente com uma área de 30,33 milhões de km2, 19% das terras emersas do planeta, divide-se em 54 países e mais de 800 milhões de habitantes é o terceiro maior planeta da terra e o segundo mais populoso, o continente africano é bastante rico em recursos minerais, cortado pela linha do Equador, a África possui relativamente poucos rios cabendo a maior importância ao Nilo, este é o segundo mais extenso do mundo. A África possui pouca população e distribuição irregular apesar de ser o terceiro continente em extensão; grande parte do continente é ocupada por área desfavorável à ocupação humana, alguns pesquisadores afirmam que a África recebeu pouca corrente migratória. Sua população predominante negra, diversos grupos brancos e povos negros, três religiões principais o islamismo que se manifesta mais na África branca; o cristianismo religião levada por missionários e professada por pontos esparsos da África; o animismo (pagã) professado por toda a África negra, a religiosidade africana reconhece a existência do Deus da criação mais não o define, e quando os europeus entraram em contato com os habitantes da África tiraram a conclusão que eles eram pagãos e politeístas.
A atual divisão da África reflete os interesses dos colonizadores, ao conseguirem suas independências os países africanos tiveram que se moldarem as fronteiras legadas pelos colonizadores. Estas separaram grupos humanos de maneira artificial que pertenciam a mesmas tribos falantes dos mesmos dialetos e praticantes dos mesmos dialetos e dos mesmos costumes, a segregação racial assumiu formas rígidas e violentas exemplo das Leis do Apartheid que configurou uma segregação racial institucionalizada.
Compreender a África e sua história requer buscar entender suas especificidades, para não preterirmos uma visão ocidental preconceituosa deste continente. Assim busca-se nos historiadores que nos mostram como rapidamente o negro vai sendo penalizado pelo peso dos modelos europeus, mas, sobretudo, católicos, que tinham sobre a África.
Sua escravização é percebida como um presente capaz de introduzi-los a uma cultura superior e à salvação de suas almas. Do ponto de vista europeu, seu modo de viver é bestial, selvagem. Seus códigos quanto ao vestir, comer, morar os coloca no limiar da animalidade. São idolátras. Falta-lhes racionalidade. Sua vida nômade é sinônima de desorganização social. Suas qualidades de coragem e força física não são percebidas, são chamados de “gente pobre, rude e selvagem”. Dizia-se que eram antropófagos”. (DEL PRIORE E VENÂNCIO, 2004, p. 69).
O Brasil atual é resultante do encontro de culturas principalmente dos africanos “deportados” e que aqui se encontraram nas condições históricas conhecidas, ou seja, trouxeram sua contribuição na formação deste povo e da história do Brasil, na construção da identidade e da cultura brasileira.
É por isso que conhecer o Brasil equivale a conhecer a história e a cultura da África. Porém a nossa historiografia oficial, maioria dos livros e materiais didáticos que "conhecemos", as contribuições dos africanos e seus descendentes brasileiros são geralmente ausentes dos livros didáticos e quando são presentes são apresentadas de um ponto de vista estereotipado e preconceituoso. Conseqüentemente, os brasileiros de ascendência africana, ficam privados da memória de seus ancestrais no sistema do ensino público oficial, acarretando uma baixa auto-estima e a construção de uma identidade negativa.
Geralmente, nas realidades sócio-culturais os agrupamentos tais como as favelas os quilombos urbanos e rurais aparecem como configurações territoriais depreciativas desmembradas de um passado e de um presente histórico comum ao descendente africano.
O enfoque da história do negro e da África e de suas dinâmicas culturais, configurações territoriais, e espaços sociais podem ser apresentados através da imagem colaborando desta forma na rememoração da história da população negra, na re-construção da identidade afro-descendente bem como na apreensão do conhecimento.
Onde há escravidão, há revolta. Essa máxima é válida a todas as situações, sendo fácil entende-la: ser retirado da sociedade em que se vive e transformado em mercadoria, marcado a ferro e fogo, e explorado até a morte é uma experiência dificilmente aceita de maneira passiva. No entanto, o dia-a-dia da resistência cativa variou no interior de cada sociedade.
As discussões sobre as populações remanescentes de quilombo em nosso país atravessam séculos. Eles vieram de várias partes da África trouxeram suas culturas que sobreviveram, resistiram ou se fundiram, mas serviram como elemento de resistência contra sua opressão.
Os negros no período da escravidão que conseguiam fugir se refugiavam com outros em situação semelhante em locais bastantes escondidos nos meios das matas. Estes locais eram conhecidos como Quilombos - lugar de refúgio, lá eles constituíam comunidades e viviam de acordo com suas culturas plantando e produzindo em comunidade. Os quilombos representavam uma das formas de resistência e combate a escravidão, os negros buscavam a liberdade resgatando a cultura e a forma de viver que deixaram na áfrica, contribuindo para a formação da cultura afro-brasileira.
O processo tradicional da busca de liberdade consistiu invariavelmente na fuga para os matos, onde os se reuniam entre si, e formavam os quilombos. A fuga deve ter sido, no começo, solução bastante arriscada, além de empreitada individual. Na floresta o negro se achava sozinho. Às vezes, conseguia chegar a alguma aldeia indígena e, por sorte, acabava vivendo amistosamente com os silvícolas. Bandeava-se desta forma para grupos totalmente estranhos e que, com ele, só tinham um traço comum: o ódio ao branco dominador. (SALLES, 2005, p.).
Muitas são as comunidades remanescentes de quilombo no Brasil e uma parte desta encontra-se localizada no Estado do Pará, onde há presença marcante da juventude.
O Brasil conta hoje com o maior contingente de jovens entre 15 a 24 anos da sua história, são mais de 34 milhões, segundo o IBGE. O que seria uma ótima notícia transformou-se numa das mais sérias dificuldades que o país enfrenta. A sociedade não se preparou para receber este enorme contingente de pessoas, nem lhe ofereceu as condições mínimas para o exercício pleno da cidadania, talvez seja importante fazermos um resgate da importância da temática juventude, pois esta deve ser tratada como um sujeito pleno de seus direitos e não pela visão que ela “cria” para a sociedade. Aliás, todos os problemas que são atribuídos à juventude como relação às drogas, tráfico, violência, gravidez na adolescência, baixa qualificação no mercado de trabalho entre outros, nada mais são do que a negação dos direitos sociais básicos.
O desafio de lutar contra o racismo no Brasil está justamente em compreender suas formas de existência. E buscar superar certas dicotomias como as relações elite/ povo e branco /negro.
As comunidades remanescentes de quilombo buscam o auto-reconhecimento identitário e a afirmação sócio-cultural, questões que vão se somar aos problemas econômicos resultantes do isolamento geográfico e da formação histórica do país.
Assim percebemos que em um mundo globalizado, a diversidade cultural local cede lugar para a massificação e a juventude é seguimento bastante vulnerável a esta massificação, a cultura tem papel importante tanto no desenvolvimento econômico quanto humano. A perspectiva da juventude remanescentes de quilombo conhecer sua ancestralidade e assumirem o papel de agentes culturais de seus valores conhecendo-os é tarefa da atualidade.
Para tanto, busca-se uma reflexão a partir de autores como Damascena e Adriane (2005) que afirmam:
“a discussão no campo da cultura possibilita novas perspectivas de compreensão, tanto do ponto de vista da identidade, podendo assim descortinar importantes elementos de uma pratica educativa nos espaços de troca...” (Damascena, Adriane, 2005).
Compreender como se dar a convivência cotidiana dos jovens nas comunidades coletando sua realidade, pois a constatação da ausência de informações referentes às ações públicas ligadas ao trabalho, lazer, cultura e educação sinalizam esforços de busca de resgate de sua identidade. O mundo da cultura aparece como um espaço privilegiado das práticas, representações, símbolos e rituais no quais os jovens buscam demarcar uma identidade juvenil. Alguns contextos nos indicam que as dimensões do consumo e da produção cultural têm se apresentado como campo social aglutinador dos sentidos existenciais da juventude, proporcionando também a formação de novas identidades coletivas e que estão também influenciando a juventude nas comunidades remanescentes de Quilombo.
É preciso, contudo, que se tenha atenção para o fato de que as práticas coletivas juvenis não são homogêneas.
As configurações sociais em torno da identidade cultural se constituem abstratamente, mas se orientam conforme os objetivos que as coletividades juvenis são capazes de processar num contexto de múltiplas influencias externas e interesses produzidos no interior de cada agrupamento especifico. Em torno do mesmo estilo cultural podem ocorrer práticas de delinqüência, intolerância e agressividade, assim como outras orientações para e fruição saudável do tempo livre ou ainda para a mobilização cidadã em torno da realização de ações solidárias.
A inserção no mundo da cultura traz não só uma nova capacidade organizativa aos jovens, mas também interfere na construção da sua identidade, fortalecimento da auto-estima, aproximação dos elementos da cultura alicerçados numa matriz cultural africana, exercício da criatividade, segurança, possibilidade de se tornarem criadores ativos, contra todos os limites de um contexto social que lhes nega as condições dignas de sobrevivência são alguns exemplos da força da cultura na vida dessas pessoas. Os jovens se articulam em torno de agrupamentos, idéias, redes que agregam práticas culturais semelhantes. A existência dessas configura a formação de alianças de laços de solidariedade, de espaços de lazer e sociabilidade trocas de experiências entre jovens, mas é importante lembrar que os jovens participam também de outras redes estabelecidas com outros sujeitos, grupos e instituições sociais nas quais desenvolvem praticas culturais diversas: a família, os grupos religiosos, as comunidades, os colegas são alguns delas.
A complexidade dessas reflexões revela que para melhor compreende-las, é preciso se aprofundar nas questões da construção da identidade da juventude remanescente de quilombo buscando o entendimento sobre os significados das referencias culturais de matriz africana na trajetória de vida dos jovens negros nas comunidades. Captar e compreender o papel deste resgate de sua cultura na atualidade é importante para se fazer frente às diversas formas de fenômenos que estão envolvendo a juventude nas comunidades remanescentes de quilombo a exemplo de furtos, violência e a delinqüência juvenil, fenômenos presentes na juventude urbana que aumentam cotidianamente a revelia do poder publico que tem tornado-se incapaz de dar respostas significativas para superar este dilema, o qual está chegando nas comunidades remanescentes de Quilombo destruindo o presente dessas juventudes, apagando seu passado e impossibilitando a construção de um futuro com dignidade.
Observarmos que em algumas comunidades há constatação de pouca valorização do universo cultural do negro, como também existe necessidade de se “desclandestinizar” sua forma de viver, suas culturas para que não se sintam inferiorizados frente à massificação de outras expressões culturais. Com isso é preciso compreender como as práticas culturais interferem no processo de construção da identidade negra como um componente da formação humana, fazendo parte da sua construção histórica, social e cultural.
A identidade negra deve ser entendida aqui como um processo constituído historicamente em uma sociedade que padece de um racismo ambíguo e do mito da democracia racial. Como qualquer processo identitário, ela se constrói no contato com o outro, no contraste com o outro, na negociação, na troca, nos conflitos e no diálogo. Muitos autores teorizam que a identidade para se constituir como realidade, pressupõe uma interação. A idéia que uma pessoa faz de si mesmo de seu “eu”, é intermediada pelo reconhecimento obtido dos outros em decorrência de seu contato. Nenhuma identidade é constituída no isolamento, se constituem de relações diversas.
“É preciso problematizar a questão da transmissão e da construção do saber, levando em consideração que os homens produzem esses processos ao longo da historia, nas dimensões sociais e culturais, e os elabora e constitui no cotidiano através da experiência.” (DAMASCENA E ADRIANE, 2005)
Ao refletirmos sobre identidade da juventude negra das comunidades remanescentes de quilombo, poderemos em principio dizer que o racismo aqui desenvolvido exerce influencia preponderante no sentido de os negros se sentirem “encurralados” em seu ambiente social de convivência. Ao mesmo tempo em que fragmenta a sua identidade, este racismo também o impulsiona em direção à busca de referencias identitárias africanas e assim afirmarem-se como cidadãos que possuem vivencias cotidianamente menosprezada pelo racismo presente na sociedade. Estas referências foram re-significadas em nossa sociedade, em meio à miscigenação racial e cultural, num processo não menos tenso, de busca da continuidade e recriação.
Compreender a complexidade presente na construção da identidade da juventude negra deverá ser tarefa importante para se subsidiar os estudos de forma coerente sobre a questão racial nas comunidades. Porém sabemos que falta-nos desenvolver estudos e pesquisas que articulem essa construção da identidade negra na juventude remanescente de quilombo com o intuito de fazer um regate de sua cultura e conhecer de fato a realidade das juventudes remanescentes de quilombo. Como se dar essa construção dessa identidade? Um olhar sobre os jovens e sua cultura, conhecendo a história da África poderá nos ajudar a responder está inquietação.
Postado por Ana Paula Di Sá , Belém, 18/04/2008.